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O vazio da cidade

Atualizado: 1 de jun. de 2022



Não há nada pior que a magia do entardecer. As crianças saindo da escola, felizes, despreocupadas. Enquanto isso eu caminhava por uma calçada vazia. O ar se contraindo gélido em meio a paisagem cinza e sem graça feita de prédios enormes e solitários. O céu, de um azul estarrecedor, afortunado como as crianças, parecia rir de nós.

Os sentimentos meus engavetados em uma bolha de entorpecimento, não sabiam para onde me levar. Nevoa densa de cigarro. Escarro palavras de um vazio cumprimento. Rostos desconhecidos me seguem, me encaram com repulsa. Bocas escancaradas. Olhos vazios. Expressões cadavéricas. Ignoro os horrores de fim de tarde em cada esquina e sigo em frente. A sombra dos prédios camuflam meus passos.

Existe um grito constante, linha de rádio, frequência secreta aos ouvidos de quem já não suporta mais o silencio. Temores que esmagam o peito como crise asmática. Onde meus passos me levam? A rua segue em linha reta. O som dos carros é um ruído distante.

Já é noite? Nem mesmo vejo o tempo passar. As luzes se acendem, mil lâmpadas de natal iluminando a solidão da cidade. Subo o morro. Faço cada curva com pesarosa afeição pelo trajeto. O destino, caldeira distante, lapso de tempo entre a eternidade e o presente cinéreo, está logo a diante. Templo em ruínas. Centenas de milhões de pedras banhada em sangue negro.

No silencio mórbido da paisagem, as vozes gritam. Lagrimas? Não há lagrimas. Felicidade? Não há felicidade, embora também não haja tristeza. Só vazio. Ruas vazias. Prédios vazios. Vazio amargo, como o café sem açúcar que bebo na indiferença de meu entorpecimento.

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