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Flores estéreis


Ana caminhava com os pés descalços tocando o chão frio, a terra seca entre os dedos, deixando as pedras rudes para trás. Uma a uma deixava cair as pétalas da rosa esquecida na mão. Vermelho é o sangue que corre em suas veias. É o vestido cujas saias o vento sopra. Ana e sua solidão caminham de mãos dadas. Falam sobre o sol, que se põe no horizonte, e sobre a lua seguindo de perto seus passos. Os olhos pregados na arte dos deuses, pois é inútil olhar para trás. Azul, verde, alaranjado, sangue, purpura.

Amarelo, sim. Amarelo que divide mundos. De um lado o sol nasce e do outro mergulha a noite. Escuridão, azul petróleo, negro. São seus olhos, lascas de ônix. Cinzas que restam das chamas de uma noite que vai ficando também para trás. São as cores dos sentimentos que Ana carrega. É a tela branca na qual pinta as ondas do deserto. Sede. É o quadro negro no tempo de escola, cheiro doce de memoria, centenas de cores sobrepostas.

Ana fala sobre arte, mas a solidão ri. Descarta a subjetividade, como quem atira o café frio a pia. Engole as palavras não ditas, arrematando cada frase com uma dose de rancor. Rancor de si. Vomita sentenças desconexas, ora maldosas, ora lascivas. Mentiras. Diz que o ama. Escreve um bilhete. Veste o casaco e sai pela porta. A solidão olha de esguelha. Dessa vez é Ana quem ri. Está frio lá fora, ou é só o cumprimento de suas saias que não alcançam os joelhos? Acende o cigarro. Confere as mensagens. É segunda feira outra vez. Sabe que jamais entrará pela porta que acabou de sair, mas não se atreve a dizer adeus.

 
 
 

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